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Revisão do Consecana: discussões entre usinas e canavieiros se intensificam

Nas últimas semanas, uma velha polêmica voltou com mais força à pauta de discussões do setor sucroenergético: a remuneração dos produtores de cana-de-açúcar pelo bagaço. O assunto é discutido, pelo menos, desde 2009 por produtores, e a centelha para os questionamentos ganha força com os resultados nos balanços financeiros dos grupos sucroenergéticos. De um lado a matéria-prima tem propiciado a muitas usinas uma renda significativa, por meio da geração de energia elétrica com a queima do bagaço ou pela sua venda direta. Do outro, plantadores alegam que, à despeito disso, a quantidade de fibra contida ainda penaliza o ATR da cana, o que os coloca em uma posição desprivilegiada em relação ao uso da indústria.

Para engrossar mais o caldo, a discussão caminha em paralelo à revisão do próprio Consecana, item que se mostrou mais urgente na agenda de plantadores de cana e de usinas. O modelo – que começou a ser revisto recentemente em reuniões realizadas no mês de dezembro, como informado pela Orplana – ainda é o melhor para precificação dos produtos, segundo os plantadores. No entanto, estes garantem que, sem uma atualização, poderá fazer com que os canaviais entrem em colapso.

Em São Paulo, principal estado produtor do Centro-sul, isso significaria colocar em risco 53% da cana moída na safra 2015/16, ou 169,7 milhões de toneladas. Em outros estados, como revelam dados do Ministério da Agricultura, a cana adquirida de terceiros também não é nada desprezível e vem aumentando sua participação ao longo das últimas temporadas. Em Minas Gerais são 46%, no Paraná 27% e em Goiás 39%.


Consecana é ótimo, mas o sistema de atualização...


Longe de críticas, o cálculo do Consecana (Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool, que determina o sistema de pagamento de cana a partir dos preços dos produtos finais da cana-de-açúcar) ainda é considerado a melhor matemática possível entre os produtores de cana-de-açúcar. O sistema de cálculo toma como base uma série de médias para delinear o que seria uma ‘usina padrão média do estado de São Paulo’ na produção de etanol e açúcar. Apesar de existirem outros modelos próprios em demais estados – como Pernambuco, por exemplo –, no Centro-Sul a maioria toma como base os preços do Consecana-SP.

Além dessa grande média, fazem parte do cálculo os custos de produção de açúcar e etanol correlacionados com custos de produção de cana no campo, com isso determina-se a participação de cada um desses lados no conjunto de formação de preços. É justamente a esse ponto que se relaciona uma das maiores reivindicações dos plantadores. Para fins de entendimento, se, em números hipotéticos, 100% representa os custos totais para produzir uma saca de açúcar, por exemplo, 70% desses corresponderiam aos gastos do campo e o restante da indústria. Com isso, o preço pago pela cana deveria ser proporcional a essa relação.

“De lá para cá [desde a última revisão do Consecana, prevista para a cada cinco anos] isso mudou totalmente, você tem uma estrutura de custos completamente diferenciada”, defende o presidente da Associação Rural dos Fornecedores e Plantadores de Cana da Média Sorocabana (Assocana), da região da cidade paulista de Assis, Sylvio Ribeiro do Valle Mello Júnior.


Crise acelerou percepção negativa do Consecana


Apesar de existir uma cláusula que prevê a revisão do Consecana a cada cinco anos – além de revistas pontuais quando há mudanças de grande impacto no mercado –, de uma maneira geral, o sentimento entre os produtores é de que o modelo não está atendendo à realidade com que convivem. Primeiro, porque a indústria estaria passando por uma evolução tecnológica em outro ritmo e, depois, porque as oscilações do mercado estariam afetando em um intervalo mais curto do que cinco anos previstos para a revisitação do sistema.

“Em qualquer atividade econômica, em que você tenha uma baita inflação e um baita aumento de custo, cinco anos é um tempo muito longo de preços muitos ruins e acaba transparecendo que é culpa do modelo. Mas o grande problema foi o mercado”, observa o produtor de cana e presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Açúcar e do Álcool, Ismael Perina.


“Começou-se a se especular muito sobre a inclusão do bagaço, mas o que Orplana pede agora é uma remuneração justa dentro dos parâmetros que o Consecana já se baseia”, Celso Albano


A sensação é de que o setor está sofrendo com os preços baixos há quatro anos, tanto para preços industriais quanto para a cana e, desde então, a remuneração não está pagando o custo do campo.

“Muitos produtores arrendaram as terras porque estava mais econômico do que plantar”, conta Luiz Carlos Dalben, da Ascana, de Lençóis Paulistas. Por outro lado, a perspectiva é de melhora, especialmente com o momento de amadurecimento que vive o setor, considera.

Para o presidente da Assocana, Sylvio Ribeiro do Valle Mello Júnior, a expectativa também é positiva. “Muita coisa já melhorou, mas sobrou uma carga de uma dívida monstruosa para ser paga, ainda não sabemos quem vai sobreviver ou apenas sair ferido da crise”.


A influência da mecanização


Outro fator que está contribuindo para essa desigualdade na queda de braços dos custos é, principalmente, o grande processo de mecanização pelo qual passaram os canaviais paulistas.

O que está contribuindo para essa desigualdade na queda de braços dos custos é, principalmente, o grande processo de mecanização pelo qual passaram os canaviais paulistas.

No início desta safra, dados do Centro de Tecnologia Canavieira, davam conta de que a mecanização deveria chegar a 97% do total dos canaviais do Centro-Sul do Brasil neste ano. Em 2010, eram 69% as plantações que já faziam a colheita por equipamentos, ainda dois anos antes era um pouco menos da metade. O porcentual leva em consideração somente as áreas que permitem a entrada de máquinas.


Grandes grupos usineiros tem apostado na maior participação da matéria-prima terceirizada, pois é mais barato comprar de terceiros do que plantar a própria cana


Nestas áreas, o plantio mecanizado também cresceu na região, saltando de 35,1%, em 2010, para 76,7%, conforme a previsão para 2015, considerando apenas as áreas mecanizáveis.

São os efeitos dessa mecanização, aliados a outros fatores, que o campo está sentindo os custos pesarem, afirmam os produtores. “São várias mudanças: é da cana queimada e corte manual para cana crua e corte mecanizado, à adequação às Normas Regulatórias, entre outros. É um longo aprendizado e estamos pagando muito caro por isso”, explica o presidente da Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê (Ascana), de Lençóis Paulistas, Luiz Carlos Dalben.


O risco é faltar cana


O ponto mais preocupante na visão das associações é que aumento do plantio mecanizado, além de contribuir para o crescimento dos custos, reduz a área de colheita. Além disso, considera o superintendente da Organização dos Plantadores do Centro-Sul (Orplana), Celso Albano, todo esse conjunto de mudanças traz consequências para o manejo.

“Algumas propriedades que eram altamente produtivas foram impactadas negativamente com a mecanização, começaram a ter um resultado de perda de longevidade dos canaviais porque houve uma abreviação do período de renovação”.

Ele pondera que não aconteceu ainda uma avaliação dentro dessa realidade para remunerar adequadamente a matéria-prima. “E essa é a grande discussão. Ninguém olha para esse lado do produtor com atenção, eles que vivem única e exclusivamente de produzir e colher a cana”, argumenta Albano.

Embora não seja do interesse da indústria aumentar os seus gastos, alguns produtores indicaram que, por já terem sofrido com a falta de matéria-prima, alguns grupos de usineiros entendem a necessidade de revisão urgente do Consecana. A preocupação destes empresários está no negócio a longo prazo: o canavial deve ter fôlego para produzir mais cana, afinal a usina depende da oferta de matéria-prima.


Aumento da produção é ilusório: ao invés de renovar canavial, as mudas que iam ser plantadas estão indo para a boca da moenda


Grandes grupos usineiros tem apostado na maior participação da matéria-prima terceirizada, pois é mais barato comprar de terceiros do que plantar a própria cana.

Mas, apesar de todas as argumentações do campo, a indústria também vem sofrendo os impactos da instabilidade brasileira. “Os doze últimos anos para usinas também se mostraram difíceis – elas estão descapitalizadas, sofrendo os juros de capital emprestado altos demais. Então, antes, por parte deles, também não era um bom momento para discutir revisão”, pontuou Albano.

Se mesmo para as usinas a situação é complicada, para os produtores com estrutura financeira menor a crise pode se mostrar mais crítica e afetar toda a cadeia.

O alerta é que se o Consecana continuar como está não só a produção vai cair como a qualidade da cana-de-açúcar produzida no Centro-Sul. Mello Júnior, presidente da Assocana, explica que se pode “ter a impressão” de que a produção em São Paulo aumentou, por exemplo, mas isso acontece porque ao invés de renovar canavial, as mudas que iam ser plantadas estão indo para a boca da moenda.

“É como matriz de gado, você vai matando as matrizes e, olha agora tem bastante carne, no entanto, no futuro vai faltar”, conjectura.

Estas questões devem permear os encontros que estão ocorrendo para a revisão do Consecana, que será aplicada a partir do próximo ano. Com o processo de negociação em andamento, iniciado com mais intensidade agora em dezembro, Orplana, Unica e a presidência do conselho não quiseram se posicionaram para esta reportagem.

O gestor da Orplana apenas pontuou que “agora está sendo feita uma análise para criar esse novo modelo médio representativo que leve em consideração a nova performance das indústrias e a nova realidade do campo”.

Albano ainda considera que há mais discussões para serem levantadas, também em relação ao tempo de atualização do Consecana. “A discussão é a possibilidade de criar indicadores para que se faça uma atualização profunda a cada cinco anos e também revisões anuais. No Brasil, tudo pode mudar em cinco anos”, encerra.

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